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A Tradição da floresta | e a ‘A Sabedoria do Guerreiro’
Ao longo dos últimos séculos, na generalidade, todas as religiões e cultos tiveram a sua decadência, por um lado, devido à progressiva indolência e acomodação a melhores e mais requintadas condições materiais, por outro, como reflexo de um desequilíbrio em que a necessidade de institucionalizar uma ordem, veio a gerar uma progressiva dicotomia autoridade-livre arbítrio. Esta por sua vez foi se abrindo à medida em que a própria dispersão e distracção interior do ser humano foi acentuando o enfraquecimento da sua atenção espiritual, polarizando assim mais e mais o seu poder interior consciente na submissa e ao mesmo tempo, voluntária dependência ao nível físico das condições sensuais e materiais.
Por outro lado, o poder institucional e os meios de controlo das sociedades, ao inflacionarem-se, foram por sua vez promovendo a exclusividade do poder e sufocando tanto a liberdade como a iniciativa do ser humano, tão imprescindíveis para aceder à única porta que realmente abre o caminho para a verdadeira realização interior, a porta da compreensão e do discernimento.
A história do Budismo, não escapa ao anterior cenário, mas tal como outras diversas religiões e filosofias, é no entanto particular no seu próprio contexto e percurso. A originalidade da resistência e adaptação por parte de certos mestres e grupos, entre linhas e tradições que foram surgindo ao longo dos tempos, demarca, dentro ou fora de movimentos quer institucionais quer não, precisamente a necessidade de encontrar a nobreza do ensinamento, acima de tudo, na realização da prática interior, inspirando nesse sentido a disciplina e a austeridade necessárias para superar a indulgente condição material e resgatar de novo os princípios e valores originais que o Buddha encorajou a seguir.
Ao longo dos tempos, o Budismo tem funcionado como uma força motriz civilizadora. O seu ensinamento sobre o Karma, por exemplo – o princípio de que toda a acção intencional tem consequências – promoveu a moralidade e a compaixão em muitas sociedades. Mas a um nível mais profundo, o Budismo sempre calcorreou a linha entre Civilização e Natureza selvagem. A tradição conta que o Buddha nasceu numa floresta, alcançou a Iluminação numa floresta, viveu e ensinou quase toda a sua vida na floresta e finalmente morreu na floresta. Quando havia possibilidade, a floresta era a sua residência preferida, pois Ele próprio disse: «Tathāgatas enlevam-se em lugares retirados». As qualidades da mente de que Ele precisou para sobreviver desarmado, física e mentalmente, por entre os caminhos da floresta virgem e selvagem, foram cruciais na sua descoberta do Dhamma. Estas qualidades incluiam resistência, resolução e discernimento; honestidade interior, circunspecção, firmeza em face da solidão, coragem e desembaraço em situações de perigo, compaixão e respeito por todos os outros habitantes da floresta.
Dentro do Budismo Theravada, actualmente, encontra-se mais específicamente uma linha “A Tradição Kammatthāna (Meditação) da Floresta” que, hoje, mais conhecida como “Tradição Tai da Floresta”, teve como seu marco fundamental o movimento inspirado e fundado por um monge do Nordeste da Tailândia no século XX, Phra Ajahn Mun Bhūridatta Thera (Phra – em pāli, Venerável). O seu impulso veio dar um novo fôlego e revitalizar o ensinamento prático do Buddha, iluminar novamente o caminho esquecido para o Nibbāna (Nirvāna em Sânscrito) e levantar o que nas antigas culturas era conhecido como a “Sabedoria do Guerreiro”.
Vejamos então um pouco desse percurso e de como entre as diversas linhas e tradições Budistas no mundo, surge esta “flor” selvagem, a Tradição da Floresta, símile ao Lótus uppala que se levanta imaculado da lama, tal Buddha a reflorescer.
Remontando ao passado, a tradição da meditação da floresta, vai inclusivamente mais longe ainda que o tempo do próprio Buddha. Era costume ver nesses tempos idos, na Índia e na região dos Himālayas, muitos que ao procurarem o caminho da liberação espiritual, deixavam a vida da cidade e da vila em busca de um refúgio na montanha e na floresta virgem. Num acto de renúncia às riquezas e aos valores mundanos, era esse o lugar ideal, pois a Floresta oferecia um espaço natural, agreste, em que os poucos que lá se podiam encontrar ou eram os “loucos”, os proscritos, ou os renunciantes espirituais. Era uma dimensão à parte da influência material e das normas culturais e desse modo, o sítio propício para o cultivo das qualidades superiores espirituais, que permitiam transcender essas mesmas limitações.
Aos 29 anos de idade, o príncipe Siddhārta Gautama deixa a vida do palácio onde cresceu e dirige-se para a floresta com o propósito de treinar as disciplinas do Yoga. A história é conhecida de como, insatisfeito, deixou os seus mestres, procurando o seu próprio caminho. Assim o fez, após o qual chegou à realização da essencial verdade a que ele denominou “O Caminho do Meio”, precisamente sob a sombra da árvore bodhi, ao largo do Rio Nerañjarā, onde hoje se situa Bodh-Gayā, no Estado de Bihar, Índia.
Até onde os registos históricos nos podem confirmar, consta que, uns meses depois do Buddha falecer, supostamente no século V a.C, foi reunido um grande Conselho de Anciãos de modo a formalizar e estabelecer os ensinamentos e as regras monásticas, na forma padrão do vernacular Pālibhasa –“A Linguagem dos Textos.” Cem anos mais tarde, dá-se a reunião do Segundo Conselho, novamente para verificar todo o ensinamento e com o intuito de criar um consenso geral em relação ao código e à doutrina. Foi então que se deu o grande cisma e a divisão entre os dois “veículos”. A maior parte do grupo quis a modificação de certas regras e veio a dar origem ao Mahāyāna – Grande Veículo, conhecido como Budismo do Norte, que se propagou principalmente para o Tibete (ramo Vajrayāna), China, Coreia e Japão. A minoria do grupo foi mais cautelosa em relação às modificações propostas, preferindo permanecer fiel à simplicidade estrita dos ensinamentos e não extrapolar o Dhamma tal como tinha sido legado pelo Buddha a seus Discípulos originais. Foi a partir deste grupo minoritário de Theras (em linguagem Pāli – Anciões), que 130 anos depois deste “Concílio”, surgiu a escola Theravada, Hīnayāna – Pequeno Veículo, caracterizado por ser o mais conservador, também conhecido como Budismo do Sul e que se propagou para o Sul e Sudeste, inicialmente Índia e depois, Sri Lanka, Birmânia, Tailândia, Laos, Vietnam, Malásia e Indonésia.
Por volta de 250 a.C, durante o reinado do Imperador Aśoka (§) (273-236), havia já várias linhas e escolas divergentes em todo o Sub-Continente Indiano. Foi então que se reuniu o terceiro Conselho Budista presidido pelo Venerável Moggaliputta Tissa Maha Thera, sob o patrocínio fundamental do Grande Imperador e onde foram decididas várias missões, enviadas tanto para dentro como para fora da Índia.
Um grupo em que se encontrava o filho do Imperador Aśoka, Arahant Mahinda, juntamente com outros quatro, dirigiu-se para o Sri Lanka, o que será mais tarde o Ceilão português. Aí transmitiram os ensinamentos do Buddha ao Rei Devanampiyatissa (247-207 a.C) que, impressionado, logo aceitou o Budismo. Assim se estabeleceu pela primeira vez o Budismo na ilha.
No seguimento do conturbado período político do século I a.C, em que uma fermentação de movimentos do revivalismo Brahmânico Hindu, com influências de Este e Oeste, se levantou no Sub-Continente Indiano – gerou-se um clima de pressão aumentando o risco de se perder a linha mestra do ensinamento básico e prático do Buddha, devido também em parte à divergente diluição da tradição nas várias frentes de pensamento e religião então na forja. Foi neste período que muitos daqueles que eram mais fiéis ao ensinamento prático original do Buddha, se retiraram para a ilha do Sri Lanka.
Foi então no reinado do Rei Dutugemunu (101-77 a.C), época aclamada como a era de Ouro do Budismo Theravada no Sri Lanka, que este “Veículo” particular se foi estabelecendo e consolidando, com o mínimo de modificações. A Tradição do ensinamento foi-se transmitindo por via oral e mnemónica na linguagem Pāli, não como necessidade de se desenvolver para enfrentar crenças hostis, mas conservando a linha distinta entre o ensinamento formal básico e os comentários posteriormente adicionados.
Vem então o Quarto Conselho segundo a Tradição Theravada, tendo lugar perto de Matale, Sri Lanka, durante o reinado do Rei Vattha Gamini Abhaya (29-17 a.C). Foi aí que finalmente e pela primeira vez, 500 monges presididos pelo Venerável Rakkhita efectuaram a transcrição de todo o Cânone Pāli (Tipitaka) e Comentários (Atthakatha) para a escritura. Este foi o momento crucial e o local em que se fundaram as inabaláveis raízes do Cânone Pāli, sem o qual a Tradição Theravada de hoje não teria sobrevivido como conseguiu através de guerras, perseguições e outros contratempos.
Ainda recuando no tempo, houve outros grupos missionários que, inicialmente sob a égide do Imperador Aśoka, se dispersaram por outros países do Sudeste Asiático, a partir da Índia e do Sri Lanka, como Birmânia e mais tarde, Tailândia, Camboja e Laos. No entanto, apesar da dispersão geográfica, a contínua retrospecção aos valores padrão do Cânone Pāli, foi mantendo a verticalidade central da Tradição, com todo o respeito e reverência pelo modo de vida e a disciplina que o Buddha realizou na floresta. Essa Tradição da Floresta, tem sido o modelo que tem vindo a subsistir apesar dos muitos altos e baixos ao longo dos séculos. Por vezes a Tradição desfalecia no Sri Lanka e lá vinham monges da Tailândia para a ajudar a levantar. Outras vezes era na Tailândia que sucedia o enfraquecimento e lá iam monges da Birmânia dar o seu fôlego e alento. Assim foi durante séculos, suportando-se e ajudando uns aos outros, mantendo o carácter original da “religião” à superfície.
Outros problemas surgiam ao longo da história. É bem comum, não só no foro budista, mas em todo o mundo, ver a corrupção aliada à riqueza e à obesidade material do sucesso mundano, eclesiástico e político. Assim também sucedeu com o Budismo em certos níveis e em diferentes épocas, pois que de tempos a tempos o sistema monástico se acomodava a um carácter mais relaxado, onde a degeneração material se inflava sobre o seu próprio peso, seguindo-se o colapso. Era então que um pequeno grupo ou um grande mestre se rebelava contra o sistema, retornando à disciplina e à austeridade dos recessos virgens e agrestes, restabelecendo novamente os padrões originais do código monástico, da prática de meditação e do estudo dos ensinamentos.
Pelos meados do século XIX, o Budismo na Tailândia tinha adquirido uma rica variedade de tradições e práticas regionais. No entanto, o corpo geral da sua vida espiritual tinha-se degradado a par com o desleixo e a corrupção da disciplina monástica, encontrando-se ensinamentos de Dhamma misturados com nebulosos vestígios tântricos e animistas, aliados ao facto de que raros eram já aqueles que praticavam a meditação. Para piorar a situação, havia já a opinião generalizada, tanto pelo lado da fracção degenerada como mais ainda pelos “eruditos” da ortodoxia, de que já não era possível realizar o nibbāna (Nirvāna), ou até mesmo alcançar os estados iniciais de jhāna (absorção meditativa).
Isto foi uma situação que os revivificadores da Tradição da Floresta se recusaram a aceitar. E foi ao mesmo tempo uma das razões por que foram “catalogados” de independentes e agitadores pela hierarquia eclesiástica da altura, para além do desdém que muitos deles demonstravam pelos “monges de estudo” da própria linha Theravada ao asseverarem que «a sabedoria não se tira dos livros».
Este contraste é outro ponto crucial, que paradoxalmente, ao invés de omitir a importância que a linha Theravada dá ao estudo da palavra do Buddha, realça antes de mais a particularidade dos monges da “Tradição da Floresta”, em assumirem uma determinação mais concentrada no estilo de vida e na experiência pessoal do que nos livros (especialmente os comentários à Escritura). Seria talvez indigna tal atitude, ou até se poderiam supor sentimentos menos puros por detrás de tais alusões, não fosse na realidade a constatação de que as interpretações dos “eruditos” estavam na verdade a conduzir o Budismo para um buraco negro.
Este foi precisamente o chão maduro para que algo de novo surgisse. Uns poucos, insatisfeitos com a situação vigente, tal como o Buddha 2500 anos antes, sentiam a necessidade de ir mais longe. Não descurando o estudo do Cânone, voltavam então os seus olhos e as suas vidas novamente para os recantos selvagens das florestas e montanhas, como que se recolhendo à própria Natureza interior, buscando aí o retiro contemplativo e a meditação no contacto com o meio natural, trazendo assim à luz a prática da realização e da descoberta interior.
De entre as várias Tradições “silvestres” do Sudeste Asiático, aparece então aquela que tem vindo cada vez mais a atrair a atenção de um maior número de ocidentais pela sua originalidade e sobriedade, tendo já começado a criar raízes no Ocidente. É a “Tradição Kammatthāna (Meditação) da Floresta” da Tailândia, que veio a encarnar a “anima” fundamental da actual “Tradição Tai da Floresta”, movimento esse que foi catapultado nos princípios do século XX pelo grande Mestre, natural do Nordeste da Tailândia, Phra Ajahn Mun Bhūridatta Thera, um dos baluartes da essência Budista que veio acender o espírito perdido da antiga “Sabedoria do Guerreiro”, e ao qual a “Tradição Tai da Floresta” deve hoje o seu estandarte espiritual.
Nascido em 1870, filho de produtores de arroz na província nordeste de Ubon, ordenou-se como monge em 1892. Nesse tempo, o País sofria ainda os restos da anarquia provocada pela destruição do Reino de Ayudhya em 1767, piorando ainda mais a desorganização do já corrupto sistema monástico.
Havia então na época dois grupos principais de Budismo: o Budismo Tradicional, que veio a conhecer-se como Mahanikaya e que incluia uma múltipla variedade de costumes e ramos espalhados por todo o País, já em desleixo e com cultos vários à mistura, pouco já respeitando o Cânone Pali; e o grupo do Budismo Reformativo Dhammayutta, iniciado em 1820 pelo Príncipe Mongkut que, descontente com o desleixo corrupto da situação monástica, decidiu reordenar-se entre a disciplina dos rigorosos Mon, perto da fronteira entre a Tailândia e o Myanmar. O seu propósito resultou no alinhamento da prática com os ensinamentos do Cânone Pali.
Ao comportar uma abordagem mais racional e “científica” ao Dhamma, promoveu toda a erradicação de superstições, um estudo mais sério dos textos Pali e acima de tudo um novo rigor no Código e na Disciplina monásticas. Encontrando pouco apelo no grupo Tradicional, foi neste grupo Dhammayutta que mais tarde Ajahn Mun se veio a ordenar. O seu método de prática era solitário e rigoroso, dando bastante mais atenção às práticas de meditação do que ao lado teórico. Ele seguia o Vināya (disciplina monástica) fielmente, e observava também muitas das 13 dhutanga (práticas ascéticas) clássicas, como comer unicamente do que é oferecido, usar hábitos unicamente confeccionados com sobras, viver na floresta e comer uma só refeição por dia. Em busca dos refúgios nas florestas selvagens da Tailândia e de Laos, fez por evitar as obrigações da acomodada vida monástica, decidindo assim dedicar longas horas do dia e da noite à meditação.
Por essa altura já ninguém acreditava na realização do caminho para o Nirvāna.
Depois de vaguear largos anos com o seu Mestre, que nunca lhe garantiu que aquela prática conduzisse às Nobres Realizações, Ajahn Mun decide partir solitário, em busca de um Mestre que lhe pudesse mostrar seguramente esse caminho. A sua busca durou duas décadas por entre incontáveis desafios e dificuldades, à medida que foi percorrendo as selvas de Laos, Tailândia Central e Myanmar (Birmânia), mas nunca chegou a encontrar o Mestre que procurava. Amiúde, apercebeu-se que teria de seguir o exemplo do Buddha e tomar a Natureza selvagem como seu Mestre, não como medida simples de conformação às leis da própria Natureza – pois a própria Natureza manifesta samsāra (impermanência – transitoriedade) – mas sim como meio para discernir e alcançar na íntegra as verdades transcedentes a essas mesmas leis. Se Ele queria encontrar o caminho para além do envelhecimento, doença, e morte, Ele teria de apreender as lições de um ambiente onde o envelhecimento, a doença, e a morte estão claramente em evidência. Ao mesmo tempo, os encontros com outros monges da floresta, indicaram-lhe que aprender as lições da Natureza envolvia mais do que o simples aperfeiçoamento da perícia para a sobrevivência física. Ele teria também que desenvolver o discernimento para não se deixar levar para caminhos indesejáveis na sua meditação. E então, com profunda determinação e responsabilidade pela sua tarefa, regressou a uma região montanhosa da Tailândia Central e aí se estabeleceu sozinho numa caverna.
No seu longo caminho pelos recessos selvagens da Natureza, Ajahn Mun compreendeu que, contrariamente ao cepticismo de ambos os grupos Budistas Tradicional e Reformativo, o caminho para o Nibbāna (Nirvāna) não estava fechado. E que o verdadeiro Dhamma deveria ser encontrado, não em costumes, rituais ou textos, mas sim no coração e na mente bem treinados. Os textos seriam indicadores para o treino, nem mais nem menos. As regras do Vināya (disciplina), em vez de simples convenções externas, deveriam assumir um papel importante na perseverança física e mental. Quanto aos textos do Dhamma, a prática não deveria ser somente uma questão de fé cega, de afirmação ou verbalismo. Apenas ler e pensar sobre os textos, não podia oferecer uma adequada compreensão do seu sentido, nem obrigatoriamente significar verdadeiro respeito por eles. O verdadeiro respeito pelos textos, traduzia-se por tomá-los como um desafio: colocar os seus ensinamentos seriamente em teste, de modo a verificar onde na realidade são verdadeiros. Durante o teste dos ensinamentos a par com a meditação, a mente daria à luz muitas realizações inesperadas que não se encontravam nos textos. Estas por sua vez deveriam ser postas também sobre teste, de modo a que assim se aprende gradualmente por experiência e erro, até ao ponto da efectiva e Nobre realização. Só então Ajahn Mun dizia, «se teria compreendido o Dhamma».
É esta a atitude que em relação ao Dhamma (a Verdade) remonta ao que as antigas culturas designavam por “Sabedoria do Guerreiro” – o “conhecimento” que vem ao desenvolver-se perícia na prática de situações difíceis e adversas – em contraste com o “conhecimento escrivão” desenvolvido por pessoas sentadas com relativa segurança e conforto. Obviamente que os guerreiros precisam de usar palavras no curso do seu treino, mas só reconhecem a autoridade de um texto na medida em que os seus ensinamentos frutifiquem na prática. O Cânone por si próprio encoraja neste sentido quando menciona o Buddha a ensinar a sua tia: «Em relação aos ensinamentos que podereis conhecer, “Esses ensinamentos conduzem a superar a paixão, não à paixão; a ser livre, não à prisão; ao despojamento, não à acumulação; à modéstia, não à superioridade; ao contentamento, não ao descontentamento; ao recolhimento, não ao enredo; à perseverança, não à preguiça; ao desafogo, não ao sobrecarregamento” – Podereis certamente assegurar, Isto é o Dhamma, isto é o Vināya, isto é a instrução do Mestre».
Num célebre episódio com um dos seus discípulos, em que este constantemente duvidava sobre o sítio onde encontrar a dispensação e transmissão douta do Buddha (sāsanā), Ajahn Mun pô-lo um dia inteiro a meditar sobre a palavra “Buddho”… Ao fim do dia, depois de ter realizado interiormente o sítio e ao preparar-se para informar o Mestre abrindo a porta da sua palhota, deu de caras com Este que sereno lhe perguntou, «reconheces agora onde encontrar o sāsana?». Ou seja, a autoridade última a avaliar e a ajuizar o ensinamento, não está no “corpo” onde este se possa encontrar, neste caso o Cânone Pali ou a religião Budista em si, mas sim na inexorável honestidade do ser humano em testar o Dhamma (Verdade – Ensinamento) e cuidadosamente discriminar os resultados interiormente.
Entretanto, ao assegurar-se de que o caminho para as Nobres Realizações e para o Nibbāna estava aberto, Ajahn Mun regressa ao nordeste e apesar da sua natureza reservada, com a sua singular e íntegra postura, foi cada vez mais atraindo admiradores e discípulos com vontade de encetar o estudo num meio mais silvestre.
O ponto vital desta figura pilar do Budismo Theravada e baluarte da actual “Tradição Tai da Floresta”, revela-se precisamente no equilíbrio que dentro das diferentes tradições, Ele próprio Ajahn Mun reuniu e lutou por conjugar e realizar dentro e ao redor da sua prática e disciplina. Ele conseguiu harmonizar o rigor da disciplina e da erudição académica inspirado pelo movimento Dhammayutta, com o lado prático em relação com a Natureza selvagem, revitalizando e inspirando ao mesmo tempo a ordem Mahanikaya. O movimento Dhammayutta, no entanto, falhou redondamente com a sua tendência mais académica, ao burocratizar-se politicamente e adoptar uma forma mais urbana e social, inspirando mais tarde um terceiro tipo de budismo, o “Budismo Estatal”, que chega a instigar os monges a fixarem-se nos mosteiros, a abandonar as florestas e a dedicarem mais tempo ao lado académico do que à meditação, chegando a impugnar quem se opusesse a essa directiva.
Nunca tendo dado grande importância ao foro académico e social, Ajahn Mun parte com os seus discípulos mais fiéis para o norte, onde podiam ainda ser livres. Durante toda a sua vida recusou fama e títulos, e quando no início dos anos 30, foi designado pelas autoridades de Bangkok para exercer a função de abade e líder da Tradição num dos mais importantes e antigos mosteiros na cidade de Chieng Mai, desaparece sem deixar rasto na aurora do dia seguinte.
Os seus detractores acusavam-no de não seguir nem respeitar os tradicionais costumes Budistas da época, ao que Ele respondia não estar interessado em se curvar aos costumes de qualquer sociedade em particular – que eram por norma os costumes de pessoas embotadas com avareza, ódio e ilusão nas suas mentes. Ele estava mais interessado em encontrar o que Ele chamava de o “Costume dos Nobres”, as práticas que antes de tudo, tinham habilitado o Buddha e os seus discípulos originais a alcançarem o despertar.
Esta famosa frase – o “Costume dos Nobres” – remonta a um incidente na vida do próprio Buddha: não muito depois do seu “Despertar – Iluminação”, Ele regressou ao reino que tinha deixado 6 anos antes, de modo a transmitir o Dhamma à sua família. Depois de passar a noite na floresta, ao acordar do dia, dirigiu-se à cidade para mendigar alimento. Seu pai, o Rei, ao saber do que se passava, dirigiu-se imediatamente para o admoestar. «Isto é uma vergonha, disse o Rei, nunca ninguém na linhagem da nossa família alguma vez mendigou. É contra os costumes da nossa família». Ao qual o Buddha respondeu, «Agora, pertenço não mais à linhagem da minha família, mas à linhagem dos Nobres. Deles são os costumes que eu sigo». Ajahn Mun devotou muitos dos seus anos à busca destes costumes.
Passados anos, já no fim da sua vida e depois das autoridades eclesiásticas se terem tornado mais condescendentes para com a sua prática, regressou novamente, estabelecendo-se no nordeste. O movimento fundado por si, só nos anos cinquenta viria a ser aceite em Bangkok.
Numa época coincidente com a perca de confiança na maioria dos monges estatais, muitos dos quais já não passavam de meros burocratas vestidos de hábitos, os monges Kammatthāna começaram a representar assim, aos olhos de muitos monásticos e da população, uma expressão sólida e fidedigna do Dhamma, num mundo em rápida e furiosa modernização.
Foi por esta altura que outro grande nome vinha-se levantando, alguém que iria alicerçar e catapultar todo o movimento e a essência inspirada por Ajahn Mun, através de todo o país e não só. Foi Ele o Venerável Ajahn Chah – Phra Bodhinyāna Thera. Tal como Ajahn Mun, Ajahn Chah nasceu na Terra de Isahn, nordeste da Tailândia, mais precisamente na chamada “Província dos Sábios”, Ubon. Aos nove anos decide largar a família e ordenar-se num mosteiro local Mahanikaya. Aos vinte recebe ordenação completa como Bhikkhu (monge). Em júnior estuda o básico do Dhamma, a disciplina e outras escrituras. À medida que estuda o Pali e traduz comentários do Dhammapada, apercebe-se da disparidade entre a sua vida e a dos monges na época do Buddha: eles vagueavam nas florestas “solitários, impetuosos e determinados”, e ele colado a um livro na sala de estudo de um mosteiro…estaria ele a perder o espírito da resolução? Até que ponto era o estudo académico importante? Algo dentro dele estava a permanecer abafado por declinações e aproximações limitadas na raíz das próprias palavras. Aquele não era certamente o caminho para a libertação. Insatisfeito com a sua situação e com o desleixo da disciplina local, decide partir em busca de orientação superior na meditação. Com outro amigo parte em tudong (peregrinação da floresta e dos meios silvestres).
Durante vários anos, caminham no estilo asceta, dormindo em florestas e cavernas, atravessando vários desafios e adversidades pelas selvas de Isahn. Encontram alguns Mosteiros e mestres da Floresta, com os quais passam temporadas, assimilando os seus ensinamentos e praticando a meditação. Foi durante a sua estadia no Mosteiro de Wat Kow Wongkot, que pela primeira vez Ajahn Chah ouviu falar no nome do monge que se viria a tornar uma figura legendária em toda a Tailândia, o monge mais reverenciado da sua geração, Ajahn Mun. Um leigo informa-o então de que Ajahn Mun, após ter estado dez anos retirado no norte, tinha regressado a Isahn, com um largo grupo de monges, estabelecendo-se nas montanhas de Sakon Nakon. É então que Ajahn Chah decide visitá-lo.
Num momento crítico, em que dúvidas inundavam o seu propósito monástico, este foi o encontro crucial que marcou profunda e significativamente Ajahn Chah até ao fim da sua vida. Assim que entraram no mosteiro de Ajahn Mun, Ajahn Chah foi imediatamente invadido pela atmosfera tranquila e discreta. Havia algo no mosteiro como em nenhum outro – o silêncio estava curiosamente carregado de vibração.
Depois de prestarem os devidos respeitos, entre várias perguntas, Ajahn Mun perguntou se eles tinham alguma dúvida em relação à prática. Ajahn Chah respondeu afirmativamente, manifestando o seu desalento com o estudo dos textos da disciplina que parecia ser demasiado pormenorizado para ser praticado: parecia não ser possível manter todas as regras. Qual deveria ser a norma a seguir? Ajahn Mun aconselhou-o como princípio básico a seguir os “Dois Guardiões do Mundo”: hiri (um sentido de vergonha) e ottappa (medo inteligente das consequências). Na presença dessas duas virtudes, Ele disse, tudo o resto se seguiria. Depois, discursou sobre o treino das três categorias do óctuplo caminho para o aperfeiçoamento: sila (moralidade), sādhana (concentração) e paññā (saber); e sobre as quatro Estradas para o Sucesso e os cinco Poderes Espirituais. Com uma autoridade exímia, descreveu a “forma como as coisas realmente são” e o caminho para a liberação. Ajahn Chah ficou perfeitamente extasiado.
Mais tarde, Ajahn Chah disse que apesar de ter passado um dia fatigante a caminhar, ao ouvir Ajahn Mun discursar, todo o enfado desapareceu, a sua mente ficou clara, serena, sentindo-se leve.
Ao segundo dia, Ajahn Mun deu mais ensinamentos e Ajahn Chah viu todas as suas dúvidas partirem com respeito à sua prática futura. Sentiu uma alegria e um êxtase no Dhamma com nunca antes. Agora o que lhe restava era pôr em prática o seu conhecimento. Sem dúvida, um dos ensinamentos que mais o inspirou desses dois serões, foi a instrução para se tornar a si próprio Sikkhibhuto, isto é – “Testemunha da Verdade”. Mas a explicação mais esclarecedora, que lhe deu o suporte necessário para a prática que até aí lhe tinha escapado, foi a distinção entre a mente ela mesma e todos os estados transitórios que aparecem e desaparecem dentro dela. Ajahn Mun disse que são meros estados. Ao não se compreender este ponto, tomamo-los como reais, identificando-os com a própria mente. Na realidade são só estados transitórios.
Ao terceiro dia, Ajahn Chah prestou respeitos e partiu com o coração cheio de uma inspiração de ouro, que jamais o haveria de deixar até ao fim da sua vida.
A sua visita a Ajahn Mun, não foi simplesmente a visita de um jovem monge peregrino ao Pai da Tradição da Floresta, mas a de um monge Mahanikaya a um mosteiro Dhammayutta. Surgiu entretanto a polémica, de como e porquê, Ajahn Chah, um monge Mahanikaya, se considerou discípulo de Ajahn Mun (Dhammayutta) pelo resto da sua vida, tendo só convivido com Ele duas noites?
A resposta de Ajahn Chah a esta interpelação foi «que perto de um fogo, a pessoa com olhos fechados pode passar uma vida inteira sem mesmo assim o ver, enquanto uma pessoa com olhos bons e abertos não demoraria muito a ver a luz». Ele parece sugerir ter recebido de Ajahn Mun, o que em outras tradições Budistas se entende como “transmissão”. Apesar de se poder objectar que “transmissão” é uma ideia estranha ao Budismo Theravada, na verdade constata-se que a seguir a este encontro, Ajahn Chah sentiu que o seu caminho se iluminou. Usando outra analogia, foi como se Lhe tivesse sido conferido um plano bem definido para realizar, com as ferramentas próprias, e tudo o que faltava era pôr-se ao trabalho.
Diz-se que Ajahn Mun, ao interpretar o sonho de um discípulo sénior, intuiu ser Ajahn Chah o monge que iria espalhar a semente da Tradição da Floresta por toda a ordem Mahanikaya e criar um Sangha mais firme, com a fundação de vários mosteiros por toda a Província e País. E assim sucedeu.
Em 1954, Ajahn Chah regressa à província de Ubon. Aí é convidado a instalar-se numa densa floresta perto da sua terra natal, Bahn Gor. Esta floresta inabitada e conhecida como lugar de cobras, tigres e fantasmas, era nas suas palavras o lugar ideal para um monge da floresta. À medida que mais discípulos se reuníram à sua volta, estabeleceu-se o Mosteiro conhecido em seu nome, Wat Pah Pong.
Mantendo o código inspirado por Ajahn Mun e o espírito da Floresta, Ajahn Chah, com o seu estilo próprio de ensinamento simples, claro e austero, aliou uma característica fundamental à Tradição Kammatthāna da Floresta. Precisamente, um senso de comunidade e prática de grupo mais firme, promovendo um contacto mais próximo com a população e inclusivamente com o estrangeiro. Esta vem a ser a sua mais distinta contribuição à Tradição. Ou seja, independentemente do factor da Ordem, Ele conseguiu passar a essência da Tradição, de uma condição quase exclusivamente isolada nos recessos distantes e reservados ou confinamento das vilas, para uma condição mais alargada e próxima das comunidades em geral. Por outro lado, numa era de conturbada desorientação em que as florestas correm o grave perigo de extinção progressiva, este movimento mais comunitário vem também ajudar não só a Tradição a propagar-se mais a nível interno, como também ao nível internacional. Hoje em 2006, só na Tailândia, existem mais de trezentos mosteiros da linha de Ajahn Mun e Ajahn Chah espalhados por todo o País.
O próximo passo que a Tradição da Floresta vem a dar, deve-se primeiro que tudo a Ajahn Chah e logo de seguida à entrada na Tradição, daquele que foi o primeiro monge do ocidente nesta linha Theravada, Phra Rāja Sumedhācariya – Ajahn Sumedho. Foram estes dois grandes Avôs, que apadrinharam a radicação inicial da Tradição no Ocidente. Depois disso, surgiram muitos outros monges ocidentais.
Ajahn Sumedho nasceu em Seattle, Washington, em 1934. Cresceu no seio de uma família Anglicana juntamente com uma irmã mais velha. Entre 1951 e 1953, estudou Chinês e História na Universidade de Washington. Depois de servir quatro anos como médico-assistente na Marinha dos Estados Unidos, regressa à Universidade e completa o BA (Bachelor of Arts degree) o Bacharelato, em Estudos do Extremo-Oriente.
Os estudos introduzem-no ao Budismo através da leitura, enquanto o período de serviço na Marinha leva-o a entrar em contacto com a “Sociedade Budista do Japão”. Em 1961, inscreve-se novamente para concretizar o grau de Licenciatura MA (Master of Arts degree) em Estudos do Sul-Ásiático, na Universidade da Califórnia, Bekerley, onde se graduou em 1963.
Desiludido e insatisfeito com o dogmatismo da religião ocidental, decide em 1966, viajar até à Tailândia para praticar meditação em Wat Mahathat, Bangkok. Não muito depois, toma ordenação como monge noviço numa parte remota do País, Nong Khai, até receber ordenação completa em 1967.
Um ano de prática solitária segue-se. Apesar de frutificante, esse período mostrou-lhe a necessidade de um professor que pudesse guiá-lo mais activamente. Um encontro furtuito com um monge em visita, conduziu-o a procurar o seu mestre de meditação na província de Ubon, no “Mosteiro da Tradição da Floresta” (Forest Monastery) em Wat Pah Pong, o mosteiro de Ajahn Chah. Aceita Ajahn Chah como seu preceptor, tornando-se assim seu discípulo e ficando sob sua orientação íntima durante dez anos.
Em 1975, Ajahn Chah autoriza-o a liderar uma pequena comunidade de monges, não muito longe de Wat Pah Pong, fundando assim um “Mosteiro da Tradição da Floresta” para monges do Ocidente, Wat Pah Nanachat, “International Forest Monastery”, onde os ocidentais pudessem vir e treinar em inglês. No ano de 1976, Ajahn Sumedho realiza uma viagem à América de visita aos pais, não no entanto sem fazer escala em Inglaterra, sendo convidado a ficar num pequeno Mosteiro Budista em Hampstead, London. Uma segunda visita a este Mosteiro, no ano seguinte de 1977, acompanhado por Ajahn Chah, tornou-se o início da sua residência em Inglaterra, precisamente no Hampstead Vihāra (Vihāra – residência ou pequeno Mosteiro), a par com outros três monges.
Desde então, com grandes esforços iniciais e muita vontade, quatro grandes estabelecimentos foram fundados como Mosteiros desta Tradição em Inglaterra: “Cittaviveka Buddhist Monastery”, em Chithurst, West Sussex; “Amarāvatī Buddhist Monastery” em Great Gaddesden, Hertfordshire; “Aruna Ratanagiri Buddhist Monastery” em Harnam, Northumberland e “Hartridge Buddhist Monastery” em Upottery, Devon.
Ajahn Sumedho é actualmente o Abade de “Amarāvatī Buddhist Monastery” (Amarāvatī – morada dos Imortais) e apadrinhou entretanto o nascimento de mais sete Mosteiros no mundo ocidental, nomeadamente: “Kloster Dhammapala” em Waldrand, Kandersteg, Suiça; “Santacittarama” em Localita “Le Brulla”, Itália; “Bodhinyana Monastery” em Serpentine, Austrália; “Bodhivana Monastery” em East Warburton, Austrália; “Auckland Buddhist Vihara” em Mt. Wellington, Nova Zelândia; “Bodhinyanarama Monastery” em Stokes Valley, Nova Zelândia; e “Abhayagiri Buddhist Monastery” em Redwood Valley – California, EUA.
Em 1981 é-Lhe conferido o grau de Upajjhaya (Upajjhāya: preceptor) isto é um monge com mais de dez anos, que tem a autoridade de conferir ordenação monástica completa. Desde então tem ordenado centenas de aspirantes de diversas nacionalidades. Em 1992 foi-Lhe conferido o título de Phra Sumedhācariya, então a primeira vez que tal honra foi concedida a um monge ocidental.
No entanto, a 14 de Agosto de 2004, foi-lhe dado por Sua Alteza Real, a Rainha da Tailândia, o título Honorífico de Phra Rāja Sumedhācariya.
Para além de todo o impulso pioneiro ao apadrinhar a disseminação e enraizamento inicial da Tradição da Floresta no Ocidente, Ajahn Sumedho promoveu também uma outra reinstituição fundamental, que foi a possibilidade de admitir e ordenar monjas, promovendo assim a criação de uma ala feminina (as Siladharā) na Comunidade Monástica (Sangha). Esta medida aproxima-se assim do costume da ordem de Bhikkhunis (monjas) que se perdeu no século XI e que já desde o tempo de Siddhārta Gautama vinha existindo, fazendo juz ao que Ele próprio o Buddha admitia e defendia na sua época. Como se poderá constatar no Cânone Pali, existe o reconhecimento de iguais direitos para o homem e para a mulher e que ao mesmo nível, estas podem também tornarem-se Arhats e alcançarem tanto o Nirvāna como a Iluminação pelo caminho da renúncia.
Ao olharmos para todo este percurso entre Siddhārta Gautama e Ajahn Sumedho, notamos que um ponto essencialmente comum nas vidas destes Mestres, foi a insatisfação e o inconformismo na pureza de propósito. Vemos que para lá de títulos, fama ou personalidade, a busca das “Nobres Verdades” no interior do ser humano, encontra-se num plano impessoal e imaterial, acima de instituições, formas, nomes, ordens, raças, cores, bandeiras ou convenções. No coração e na mente do ser humano trava-se uma batalha contra valores, crenças, preconceitos, emoções, desejos materiais, tendências, opiniões e sistemas convencionais que nos invadem e atacam constantemente a mente humana. Nesta luta tantas vezes desconfortável e aparentemente ingrata, a “Sabedoria do Guerreiro” revela-se vital, na inexorável conquista espiritual que lança o ser interior a transcender-se na pureza de mente e coração, à luz de si próprio.
Dhammiko Bhikkhu