A História do Vesak | Pali – Vesākha; Skt. – Vaiśākha |
O Nascimento, Iluminação e Parinibbana (morte) do Buddha

Entre as diversas Comunidades Budistas, principalmente a Linha Theravada existente em diversos países como a Tailândia e o Sri Lanka, partilha-se e mantem-se a Tradição unânime de comemorar a data que representa três acontecimentos fulcrais na Vida de Siddhartha Gautama, o Buddha: o momento da Concepção em que o Seu Ser se ligou ao útero de Sua Mãe; o momento em que Ele alcançou a Iluminação sob a Árvore Bodhi aos 35 anos; e o momento da sua morte física com passagem para Parinibbānna aos 80 anos.

Muita controvérsia e incerteza existem ainda em torno da data de nascimento de Gautama Buddha. A Lenda inicial que deu origem à identificação dos três eventos, Concepção, Iluminação e Morte do Buddha reunidos numa mesma data, surgiu no Sri Lanka, algum tempo depois do Budismo se ter estabelecido como Religião no País, no entanto não existe nenhuma referência no Cânone Budista que suporte esta tripla conjunção, tendo sido a celebração desta data conjunta posteriormente propagada para outros países, principalmente para o Sudeste Asiático, aonde a Tradição se manteve até aos dias de hoje.

Mais uniforme e estendendo-se à quase maioria de todas as Linhas Budistas no Mundo, é, em relação ao Seu Nascimento, a Crença e a Tradição de que Buddha Gautama nasceu quando a Lua Cheia se encontrava em Vaiśākha (palavra sânscrita). Vesaka ou Vesak, são hoje em dia nomes correntes utilizados para identificar esta Cerimónia Sagrada, a mais importante do ano no mundo Budista. Vesaka ou Vesak derivam precisamente da palavra sânscrita Vaiśākha, que na realidade remonta aos antiquíssimos anais do Calendário original Védico Lunar, que acabou por resultar no antigo Calendário Hindu com as diferentes adaptações subsequentes regionalizadas, vindo a resultar nos diversos Calendários Regionais Indianos da nossa época.

Originalmente, Vaiśākha é o nome Sânscrito Védico de uma Estrela ou Constelação hoje identificada como Alpha Libra (Al genubi) Zubenel Genubi Libra-3a, segundo R.H.Allen e S. Balakrishna, nome este usado para representar uma específica Mansão Lunar (Nakshatra em Sânscrito) ou signo.

No antigo Calendário Védico, a Nakshatra Vaiśākha é uma das 27 Mansões Zodiacais de 13.3 graus sensivelmente, Mansões estas que na sua totalidade perfazem os 360 graus da eclíptica zodiacal, ou seja, este sistema é idêntico ao nosso Calendário Solar, só que em vez de 12 signos de 30 graus, é composto por 27 signos de 13.3 graus.

​ A discrepância entre Constelações e Signos com o mesmo nome, traduz-se no recuo de 30 graus em a cada 2150 anos em média, em que a posição relativa da Terra e suas Estações de Ano, meses e signos zodiacais, recuam 0.36 graus anualmente ​para com a direcção Sol/esfera Celeste com suas Estrelas e Constelações, demorando 2150 anos a percorrer os 30 graus correspondentes a cada sigo, sucedendo assim as chamadas eras astrológicas que completam um ciclo de 360 (12 meses x 30) graus em 25 800 anos. Por exemplo, no inicio do século 21, a posição do sol no equinócio de Primavera (21 de Março) já tem como fundo (por trás do Sol) a fronteira entre a constelação de peixes e a de aquário e não a fronteira entre o carneiro e peixes. Confuso que possa parecer, significa isto que a 21 de Março da época actual, o que temos como fundo celeste à entrada no signo de Carneiro, não é a constelação do signo de Carneiro mas sim a constelação de Peixes.

Assim, hoje, a Mansão Vaiśākha de 13.3 graus, considera-se estar situada entre o 13º (223) e 26º (236) graus do Signo de Escorpião, não na Constelação celeste de Escorpião devido à precessão dos Equinócios. ​

Segundo reza a História o Buddha Gautama, nasceu no momento em que a Lua Cheia se encontrava na Mansão de Vaiśākha. Isto significa que estando a Lua Cheia num signo, o Sol estará em oposição perfeita a 180 graus do outro lado da Terra. O que quer dizer que ocorrendo a Lua Cheia no Signo de Escorpião, o Sol estará no Signo oposto, Touro.

Com o passar dos séculos e milénios, o Calendário Védico Hindu sofreu aferições e reformas, sendo hoje o Calendário Indiano resultado das mudanças operadas em marcos cruciais da sua reforma como o “Jyotish Vedānga” (um dos seis adjuntos dos Vedas, séculos XII-XIV a.C.) e padronizado no ‘Surya Siddhanta” por volta do século III a.C. Nestas reformas, sucedeu a determinada altura a mudança do Sistema Lunar de 27 Nakshatras para a adopção do Calendário Solar de 12 meses/Signos de 30/31 dias/graus, adoptando nomes de certas Nakshatras (signos) para designar precisamente determinado mês Solar. Sendo o primeiro mês designado por Chaitra (correspondente ao Signo de Carneiro), Vaiśākha designa hoje no Calendário Nacional Indiano, o segundo mês Solar do Ano, indo de 21 de Abril a 22 de Maio, correspondendo isto​ ao Signo do Touro no Calendário Ocidental.

Como regra geral e pelo que dita a Lenda e o Mito, comemora-se o Vesak normalmente na Lua Cheia do mês de Maio (quando o Sol está em Touro), podendo por vezes suceder a escolha da Lua Cheia de Junho conforme a Convenção Budista Internacional, devido à necessidade das aferições a realizar entre o ciclo Lunar e Solar,​ ao longo dos anos.

​Hoje,​ é​ no entanto​ difícil ​de se​ asseverar com​ total​ certeza, qual foi a data e Estação precisas​ em que na realidade Siddhārtha Gautama nasceu, tendo-se no entanto convencionado, quase em todas as tradições budistas, seja por tradição ou por carácter mais esotérico, que esse evento ocorreu na Lua Cheia de Touro. De qualquer forma, a origem da certeza maior incide com relação à constelação celeste em que se encontrava a Lua Cheia (Vaiśākha) no momento do nascimento, não o signo/Estação do Ano em que se encontrava.

Passando agora para a Simbologia mais profunda deste evento, Vaiśākha é a única Mansão/Signo das 27 com duas Divindades Regentes, Indra, o Deus da Transformação; e Agni, o Deus do Fogo. Combinados, Eles reflectem a energia, a força e o potencial poderoso da Transmutação Alquímica e Espiritual. Júpiter é o seu Planeta regente, inspirando Entusiasmo, Fé, Optimismo e Esperança. A Lua Cheia nesta Mansão é assim um poderoso momento que conforme a energia envolvida n​o​ aspecto Lua-Sol, em interacção com a zona celeste de Vaiśākha (Al-Genubi ou Alpha Libra), invoca a Solene influência e inspiração das Energias mais elevadas e sagradas na dimensão superior da nossa vida, onde um maior recolhimento na profundidade do nosso ser interior, se predispõem ao convite da meditação contemplativa e do silêncio, em honra aos nobres ideais da purificação, do auto-conhecimento e da Iluminação consciente e inteligente, abrindo-nos assim aos princípios do ensinamento que o Buddha manifestou e trouxe ao plano da nossa existência.

Esta data inspira e invoca assim o regresso e o renovamento da energia Budhi em mais um ano das nossas vidas, simbolizando esta data auspiciosa não só o regresso do Buddha à Terra, nossa Mãe Sagrada, mas também o despertar do potencial búdico no interior dos nossos Corações, Iluminação esta que Siddhārtha Gautama realizou aos 35 anos de idade.

Este é sem dúvida um momento propício à invocação da fraternidade e união dos nossos Corações em direcção à Luz, num ideal comum,​ para além de Raças ou Religiões. Amor Incondicional​, Compaixão, Gentileza/Bondade​, ​Paz e Equânimidade,​ são a essência objectiva​ e ​ética do verdadeiro caminho. O propósito da Divina Realização Além-Morte/Nirvāna (Paranirvāna), é a mais alta meta a realizar neste mundo material contingente, impermanente e insubstancial, a qual sem a base primária da prática da meditação e do ensinamento (Dhamma), se torna uma utopia. O Buddha encorajou com o seu exemplo e ensinamento, que o homem buscasse e investigasse em si próprio, diligentemente, as causas da insatisfação e sofrimento no mundo do apego e do desejo, abrindo caminho à libertação espiritual pelo cultivo e adopção de uma vida mais pura, virtuosa, permeada de aperfeiçoamento em direcção à derradeira Libertação final. O caminho da pureza interior, conduz à Saúde e traz Alegria e Paz aqui e agora, e prepara o terreno/caminho para a Libertação final deste mundo condicionado de apego e ilusão.

No Livro da Disciplina Mahāvagga do Cânone Páli, no primeiro Kandhaka (Mahākandhaka), encontramos a seguinte passagem no Brahmayācanakathā Suttā, Estância 12:

  1. «Assim o Abençoado, olhando para o mundo com o Seu Olhar de Buddha, viu os seres com os olhos mentais obscurecidos e quando Ele assim os viu, dirigiu-se a Brahmā Sahampati na seguinte estância:

«Apāruta tesam amatassa dvārā;
Ye sotavanto pamuñcantu saddham;
Vihimsasaññī pagunam na bhāsim;
Dhammam panītam manujesu brahme».

«Bem abertos estão os Portões para a realidade imortal,

para todos aqueles que tenham ouvidos para ouvir;

deixai-os conseguir a Fé para realizar est​a travessia.

O doce e bom conhecimento eu não o revelei Brahmā,

Desesperado por essa fatigante tarefa de ensinar os Homens».

O Vesak representa a Luz da compreensão e do desapego em morte íntima frutificando na renúncia​ gradual encorajada pelo Buddha. Nesse Caminho renascem o Amor Incondicional e a Luz interior no Ser Humano, criando um mundo melhor em direcção à Paz, ao Entendimento e ao Nirvana, sendo as primas qualidades e virtudes do bem pela renúncia consciente, a ponte para a Libertação final deste mundo.

Autores e Obras consultadas:
– Vināya Pitaka – Mahāvagga – Mahākandhaka – Brahmayācanakathāsuttā
– Swāmi Chidānanda – 1 Maio 1964
– Prasad Gokhale – Fredericton, New Brunswick, Canada
– Venerable Mettanando Bhikkhu
– Diálogo da interrogação e das maravilhas (Majjhima Nikâya, Sutta 123.)
– S. Balakrishna, Ph.D – Names of Stars from the Period of Vedas – January 1998
– S. Balachandra Rao, Indian Astronomy: An introduction, Universities Press, Hyderabad, 2000.
– Anindita Basu
– Dennis Harness, Ph.D